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2/ 10/ 2019

Prestes a circular em Santos, bonde japonês desafiou restauradores

Superar a barreira da língua, lidar com tecnologia dos anos 1980 e elaborar uma comunicação visual para um equipamento com características muito distintas. Foram alguns dos desafios enfrentados pela equipe da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para recuperar o bonde japonês 206, o único vindo do Japão em circulação em toda a América Latina, e que será entregue às 11h do próximo dia 5 de outubro, durante o 1º Festival do Imigrante, no Centro Histórico.

          

O equipamento, que é de 1953, foi doado pela Prefeitura de Nagazaki, cidade-irmã de Santos. O processo de doação do veículo começou em 2012, quando se completou 40 anos do acordo de geminação dos dois municípios. Em 2016, após uma longa viagem de navio que levou 42 dias, ele chegou ao Porto de Santos.

  

O trabalho de recuperação passou por várias etapas, começando pela mais importante. “O restauro mecânico exigiu que realinhássemos a bitola (distância entre as rodas), já que Santos tem uma medida única no mundo. Adaptamos essa medida e restauramos todo o sistema de freios. Com roda fora do trilho, o bonde não anda’’, explicou Marcos Rogério Nascimento, engenheiro e gerente de manutenção da CET.

  

Toda essa primeira fase foi executada fora da empresa, já que são necessárias prensas de grande capacidade para arrancar as rodas do equipamento e reposicioná-las corretamente. Já de volta ao pátio dos bondes da CET, o bonde começou a ser avaliado pelos técnicos da empresa.

  

Não demorou para que descobrissem algumas curiosidades no carro com idade de pós-guerra e sistemas rudimentares: ar-condicionado com capacitor a óleo (que atualmente é proibido no Japão), placas informativas escritas em japonês e uma luz com defeito acompanhada por informações no idioma estrangeiro.

   

“Lidar com o língua foi um grande desafio. Olhávamos para as peças, havia várias informações em japonês, mas não sabíamos o que aquilo tudo significava. Descobrimos que uma das placas era de entrada e saída, e que havia uma lógica. O carro é bidirecional e não podíamos apenas restaurar. Tínhamos que seguir a lógica deles de funcionamento’’, esclarece Nascimento.

  

O mistério da tal luz, que acendia e apagava no painel e instigava os técnicos, foi solucionado. Tratava-se de um sinal de falta de carga, peça importante para o funcionamento do bonde. E no meio do caminho, mais uma curiosidade: o fabricante das rodas já foi fornecedor para sistemas de trens no Brasil na década de 1970: um no Rio de Janeiro, para a SuperVia, e outro em Porto Alegre (RS), para a Trensurb. Sinal de que os laços entre Brasil e Japão no setor de transporte são mais antigos do que se pensava.

   

Força-tarefa

Cerca de 15 pessoas integram a equipe de recuperação do bonde, que está em fase de acabamento da pintura. “A parte da lataria talvez seja a mais trabalhosa. O bonde estava muito danificado’’. O veículo está sendo pintado nas cores originais: verde, bege e cinza.

  

Com capacidade para 28 pessoas sentadas, o equipamento manterá a identificação original do prefixo 206, considerado o ‘RG’ do veículo e importante para quem quiser rastrear informações sobre seu paradeiro.

  

Tem algumas curiosidades como sistema de refrigeração, aquecedor (inclusive para o motorneiro), argolas penduradas para apoio em duas alturas aos passageiros que ficam em pé (a estatura média da população japonesa é baixa), e duas campainhas (uma para descer e outra sinalizando o fechamento das portas, como funciona no metrô).

  

Além disso, o motorneiro usará luvas brancas, assim como ocorre até hoje no Japão. “Toda a comunicação visual interna será em japonês. O passageiro, quando entrar, fará uma imersão no sistema de transporte de Nagazaki”, garante Nascimento, explicando que a empresa de transportes da cidade japonesa, a Nagasaki Electric Tramway (NET), mantém, desde 1914, o sistema de 11,5 km de linhas de bonde, que integrava o veículo 206.

  

Ainda dentro do equipamento, painéis contando a história do bonde e da celebração do acordo de geminação entre Santos e a cidade japonesa, além de imagens do mascote da empresa, um gato marsupial.

  

"Gratificante"

Trabalhando no almoxarifado da CET, a ajudante de manutenção e apoio Luzinelia Oliveira Caldas não imaginava que uma mudança em sua função causaria impacto tão grande em sua vida. Atualmente, ela lida diariamente com os bondes, seja na manutenção dos trilhos ou na recuperação dos equipamentos que chegam à garagem como o italiano Bonde Arte e o japonês.

  

“Acho lindo esse trabalho. Sempre tive muita admiração por quem faz a recuperação dos bondes”, afirma Luzinelia, que trabalhou por 10 anos no almoxarifado e agora consegue entender o significado que esses veículos têm para o sistema de transporte do Brasil e de vários outros países. “As histórias desses bondes são muito bonitas e cada uma delas me enriquece mais”.

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